ESCRITORES DE CARNE E OSSO

Toda história tem um começo. A deste blog também.

Meu aluno Júlio Bomfim, que esteve no lançamento de Escrito nas estrelas (leia mais sobre o livro abaixo), fez um comentário, dias depois do evento, que achei fundamental. Ele disse: “Sabe, professora (ele sempre me chama de professora, quando me chama pelo nome eu até estranho...): o que a senhora fez, no caso de Escrito nas estrelas, foi algo importante e responsável...”

Fiquei curiosa. Eu em geral sou responsável! (pelo menos me considero assim...). Que teria eu feito de MAIS responsável?...
Ele continuou: “Geralmente, os que escrevem livros para outros, ou transformam em livro as ideias de outros, ficam escondidos, não podem aparecer. A senhora rasgou o véu do ghostwriter: colocou seu nome na capa do livro, deu autógrafos no lançamento – e isso é uma atitude não apenas pioneira, mas também inovadora, porque valoriza o trabalho daqueles que escrevem, que possuem o conhecimento e a técnica necessários para isso, mas quase nunca obtêm reconhecimento público, nem tampouco são valorizados pelo mercado editorial.”

O Júlio tem toda a razão. Não que eu tenha combinado, com o grupo de trabalho de Escrito nas estrelas e com nossa Editora, a Rocco, que meu nome apareceria como o da pessoa que tinha escrito o livro a partir do enorme conhecimento de Horácio Tackanoo por uma questão de vaidade, por querer ser revolucionária ou algo assim. Quem me conhece sabe que, em geral, fico mais escondida do que exposta – às vezes, mais do que deveria.

Mas havia uma espécie de “justiça” que eu considerava necessária nessa minha atitude. Em todos os meus anos de experiência na área de Letras, eu vi (e senti, na pele) todo o desconhecimento que a sociedade tem a respeito de um profissional sem o qual a própria sociedade entraria em colapso – o profissional da palavra. E, consequentemente, toda a desvalorização que esse profissional enfrenta em seu trabalho, as dificuldades em encontrar um lugar ao sol, os baixos salários, etc., etc. Sem uma BOA comunicação (adequada, bem-feita, clara, precisa e, por que não dizer, esteticamente trabalhada), a sociedade se sustenta?

Quando ousei assinar o texto de Escrito nas estrelas (e a palavra é essa mesma, ousei, com nome na capa e tudo mais), quis apenas “dar a César o que é de César”: que o leitor do livro pudesse dizer “que conhecimento maravilhoso, que sabedoria infindável, que riqueza de caminho!”, sabendo que tudo isso é do Horácio, e não meu – não sou astróloga, nem posso assumir como minha a trajetória pessoal instigante e a enorme experiência védica desse homem... Mas que, quando pensasse: “que texto bacana, que livro bem escrito, que linguagem acessível”, esse leitor soubesse que isso, sim, é meu, fruto da minha experiência, do meu trabalho e da minha paixão de vida pelos livros e pela linguagem.

Apesar da “aura” quase mística que cerca os autores de livros, escrever, como diria o grande Graciliano Ramos, “é 10% inspiração e 90% transpiração”... Há muitas pessoas pelo mundo com grandes e inovadoras ideias e com conhecimentos vastíssimos, mas que não saberiam como (bem) transformá-las num objeto organizado, adequado, legível, interessante, vendável e estético como é um livro. E não há nada de errado nisso! Não dá para ser bom em tudo!

Dando forma a esses pensamentos, nós, escritores, estamos contribuindo no sentido de torná-los, enfim, públicos – e da melhor maneira possível: com técnica, com profissionalismo, com paixão.

Isso é que é responsabilidade! (como diria o Júlio...). Responsabilidade de gente. De carne e osso.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

"ABORTAMENTOS E CESARIANAS": UM COMENTÁRIO



Perguntei ao Karl por estes dias se seria possível postar um comentário no Ecce Medicus incluindo uma foto. Ainda não sabemos a resposta, mas meu comentário sobre esse post ("Abortamentos e cesarianas") parte de uma imagem... Além disso, hoje é o dia mais adequado pra falar do assunto - vocês já vão entender -,  então resolvi começar por aqui mesmo, depois a gente põe lá no EM, se der... :)

Então. A foto é esta:





É: a barriga é minha, e é meu filho nascendo. De cesariana. Disse que hoje talvez seja o melhor dia para falar dela porque hoje essa cesariana completa 4 anos. Melhor: meu filhote faz 4 anos hoje. Talvez seja a melhor coisa que eu tenha feito na vida, esse meu filho. Nada tão perfeito, nem tão querido :)

Na semana passada, quando vi o post no EM, tomei de cara um sustão com a foto de abertura. Parecia eu, parecia meu filho! Por uma fração de segundo pensei: "será?" Claro que não era, mas se o fotógrafo tivesse conseguido pegar o rostinho dele sem a mão do médico... podia ser.

E aí, lendo o post e tudo, tive um insight na sobreposição dessas imagens. São praticamente idênticas. Não as imagens. São idênticos os protocolos de nascimento que regem uma cesariana. Processos muito mais parecidos entre si do que o buraco negro de expectativas e acontecimentos de cada parto natural (hoje não se fala mais "parto normal", né?). Numa cesárea, o médico, que já tem "todos" os exames em  mãos, sabe quase "exatamente" tudo o que vai acontecer. Ou pelo menos tem bem mais controle sobre o processo. O risco de ansiedade médica diminui muito. Em alguns casos, o risco de ansiedade da mãe também. E talvez um esteja ligado ao outro. Não será?

Acho que a minha cesárea foi decidida muito por causa disso. Meu filho estava encaixadinho, desde o 7o mês. Mas era enorme, eu sou pequena. Me deixaram de repouso em casa - risco de parto prematuro, disseram... E, até a 39a semana, fazendo ultrassons semanalmente e até a cada dois dias no final, nada de ele se manifestar: sem contrações, sem dilatações, nada... Aí minha médica resolveu tirar - "se não nasce até a 39a semana, o risco aumenta muito", dizia ela. Eu fui - não ia arriscar meu filho. Se ela dizia haver risco, eu aceitava. (Eu tinha tido um aborto espontâneo um ano e pouco antes, daí o medão. Mais dela do que meu, até. Mas meu também.)

De fato, ao tirarem meu pequenino de lá, parece que havia duas voltas de um cordão enrolado no pescoço e uma cabecinha em retroflexão (será que era esse o termo? o queixo um pouco levantado, o topo da cabeça pra trás), e isso provavelmente justificou, para minha obstetra (que eu amo!), a intuição da cesariana. Se ela disse, como falei, aceitei e respeitei.

Só queria compartilhar com vocês um detalhe. Talvez me achem meio maluca, mas tudo bem. Durante muito tempo, talvez um ano e meio ou dois, eu chorava toda vez que pensava na cesárea. Correu tudo bem, foi ótimo, ele nasceu perfeito, eu fiquei bem depois, a cicatriz é discreta, etc., etc. Mas eu queria ter sentido a dor do parto! Juro! Queria afinal saber se essa tal dor do parto é mesmo a pior que existe, queria sentir na carne mesmo, afinal, o que é ser mulher numa das pouquíssimas coisas que só nós temos o privilégio de sentir!

Durante toda a gestação, trabalhei muito meu corpo e minha cabeça prum parto natural. Fiz yoga, engordei pouco, caminhei, comi bem, preparei os seios pra amamentação (amamentei 1 ano e 8 meses!) - bom, já deu pra ver o quanto eu quis muito meu filho, né? E, sabem?, minha mãe diz assim: "mulher grávida é um horrooooooooooorrrrr, gooooordaaaa demais, disfoooooooorme, horríveeeeeel".... Posso dizer? É nada.  Sim, claro, esse é o momento mais animal que temos. Mas que BOM sermos BEM animais de vez em quando, não é não??? E tem coisa mais instintiva, mas animal que parir filho? Ah, eu queria muito ter sentido a dor do parto. Sem protocolo nenhum, ou quase nenhum, apenas aqueles pra minha segurança e pra da minha cria... Só me conformei muito recentemente. :)

Mas também não sou radical pro outro lado não. Acho que segurança é segurança, médico é médico. Porque, sabem?, sabe Karl?, assim como existem os médicos cesaristas, que são capazes de tirar uma (uma?) criança da barriga de uma mãe para poderem ir tranquilos pra qualquer Congresso Nacional de Obstetrícia, e depois largam a criança numa UTI neonatal felizes da vida, tem também os fundamentalistas do politicamente correto que seria o chamado "parto humanizado". Pra estes, só se pode nascer sem anestesia, na banheira, etc. etc. E não importa muito o sofrimento da mãe e/ou da criança. Importa, sim, a - nesse caso, a fé na natureza, ou no poder quase demiúrgico dos que "trazem um ser à vida"(?). Mas, convenhamos, ela/eles pode(m) não ser tão sábia(os) todas as vezes. Eu pelo menos acho assim. Confesso que senti muito preconceito da parte dos defensores desse tipo de nascimento, simplesmente porque dizia confiar na minha médica, e que seria uma cesárea, se assim tivesse de ser. Fui grande admiradora da "medicina bicho-grilo" até ter meu filho.  Depois dele e da minha mãe doente, passei a admirar a Medicina.

É isso. Desculpem esse comentário tão pessoal. Mas o jeito que eu tinha de falar do assunto era falando de mim...





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